segunda-feira, 14 de abril de 2008

O que você faria?


A dinâmica de grupo tem sido amplamente utilizada, nas últimas décadas, como um dos principais instrumentos no processo de seleção de candidatos a vagas de emprego. Na história, os primeiros registros deste conceito surgem com o psquiatra e psicanalista W. Bion, que desenvolveu pesquisas sobre a formação e fenômenos de grupo.

Psiquiatra militar durante a segunda guerra mundial e ex-combatente da primeira guerra, Bion iniciou seus trabalhos com grupos na ala de reabilitação de militares do Hospital Northfield (durante a segunda guerra mundial) e, depois, estudou inúmeros grupos terapêuticos na Clínica Tavistock e em seu consultório.

Na história da administração, os primeiros esboços da idéia aparecem na Teoria das Relações Humanas, nas experiências de Hawthorne, desenvolvidas por Elton Mayo. Na Teoria das Organizações de Aprendizagem é que ela se consolida com Kurt Lewin, que, em 1945, fundou o Centro de Pesquisas em Dinâmica de Grupo.

A necessidade de humanizar e democratizar as relações de trabalho - em oposição a Teoria Clássica da Administração, de cunho mecanicista e impesssoal -, fez com que estes estudiosos tivessem a melhor das boas intenções, mas provavelmente, nunca imaginariam que as idéias que contribuíram muito para a melhoria das relações de trabalho, embasariam também técnicas de seleção de natureza duvidosa, que ganham tons de humilhação e degradação frente a um mundo cada vez mais globalizado e idiotizado, na figura do individualismo competitivo.

Como simulacro da realidade de uma situação organizacional, muitas vezes, atividades grotescas são incluídas como elementos lúdicos, geralmente em equipes: construção de maquetes, brincar com balões, negociações entre grupos, elaboração de projetos são alguns dos testes adotados. Todos este joguetes seriam importantes na avaliação psicológica do candidato que interage com os demais participantes, e não duvido que pelo menos alguns possam ter caráter conclusivo sobre a análise dos indivíduos. Quem já participou sabe o quanto enfadonho e caricatural pode ser um evento desses.

Já participei de muitos destes tipos, e basicamente o que aprendi é que o candidato deve representar o personagem que agrade ao avaliador. O homem organizacional destemido, líder nato, que assume a dianteira das ações propostas: pró-ativo, dinâmico e que goste de desafios.

Aprendi tarde demais, é verdade, mas hoje em dia sou muito capaz de representar o papel solicitado. Só que acho que a dignidade humana tem um valor moral forte em si, e não podemos aceitar essa “papagaiagem enlatada” que nos é imposta. Nem todos podem se dar ao luxo, e compreendo perfeitamente as razões que fazem com que as pessoas se submetam.

É claro que a seleção de candidatos não pode se basear meramente em avaliações objetivas. Mas toda essa observação, esta ação inter-relacional deveria seguir alguns padrões de qualidade, embasadas com algum caráter científico, e mostradas de forma transparente a aqueles que se submetem à avaliação, informando os critérios que avalia-se e como prioriza-se A em relação a B, e como são pontuados os atributos.Fica muito no campo do “blá, blá”, da ladainha do “perfil desejado” – que acho que é sempre o mesmo. No que consiste a metodologia? O que ela prova afinal de contas?

Que fique claro: não creio que todos os instrumentos utilizados na dinâmica de grupo estão eivados de imbecilidade, mas a grande maioria, sim. É um campo dominado por enganadores, geralmente psicólogos que fizeram um MBA, muitos deles sem o menor conhecimento sobre o que seja gestão, sem nunca ter vivenciado práticas reais sobre processos administrativos.

Como uma bela ilustração crítica, o filme El Método (em português O que Você Faria?), de 2005, do diretor argentino Marcelo Piñeyro, nos mostra uma situação absurda, mas bem verossímil do que poderá vir a ser a evolução da dinâmica de grupo. Envoltos numa cultura do exibicionismo, do “big brotherismo”, o trabalhador passa a ser um objeto de observação avaliativa, em que o observador busca encontrar se o papel representado do observado condiz com o ser humano real.

O filme começa com sete candidatos chegando para um teste de seleção a uma vaga em uma empresa. Sentados na frente de computadores, sem maiores explicações, as instruções vão sendo recebidas, e um dos desafios que surgem é descobrir dentre os candidatos qual deles é o psicólogo da empresa infiltrado no grupo.

A tela do computador vai pautando as atividades que serão realizadas pelo grupo, e em cada etapa, um colega é eliminado. A face mais obscura dos candidatos vai aparecendo, na medida em que são confrontados com dilemas morais, tendo que decidir quem será o próximo eliminado.

A frieza e a impessoalidade da empresa são chocantes, pois tenta de qualquer maneira testar os limites pelos quais os candidatos sujeitam-se a acatar. Já na recepção, o candidato é obrigado a preencher um formulário – que supostamente já preencheu -, evidenciando uma disfunção burocrática que intenciona irritar o pretendente à vaga, logo de início. Na hora do almoço, uma comida horrível e fria é servida, e os convidados forçam-se a mostrar que estão apreciando, sob medo de serem mal avaliados.

A grandeza do filme está em mostrar uma sociedade contemporânea imbecil que vê o homem como meio e não como “um fim em si mesmo”, e que a todo custo quer controlar sua emoções, sentimentos e opiniões. Aproveitando-se das fraquezas humanas, a tenacidade moral de cada um é levado a limites extremos, forçando-os a adotar uma postura incondicional de defesa da empresa, que vê o outro como obstáculo a ser ultrapassado, eliminando possíveis considerações de problematizações éticas na simulação de cenários.

Outra grande reflexão do filme, é que cada vez mais, nosso mundo organizacional se afasta do mundo científico, empírico e racional – não positivista, que fique claro -, e passa para um subjetivismo antiético, um mundo de crenças ideológicas, irrefletidas, e de base empírica pobre e sofrível, baseada meramente na descrição do observável.